quinta-feira, 19 de março de 2015

A Marcha dos Hipócritas

Excelente texto de Leandro Fortes sobre as manifestações de 15/03/2015. Define, com extrema exatidão, o atual momento político, social e ideológico do país, onde grande parte da população age movida pelo ódio a um partido, eleito democraticamente nas urnas, querendo arrancá-lo a preço de golpe e exigindo a volta dos militares ao poder, já que para eles o PT é responsável e culpado por todos os casos de corrupção do Brasil. Você aí do futuro, que estará lendo isso daqui a algumas décadas, veja como o povo brasileiro era ridículo: 

A Marcha dos Hipócritas

Primeiro, vamos combinar uma coisa: se você votou em Aécio Neves, nas eleições passadas, você não está preocupado com corrupção.
Você nem liga para isso, admita.
Aécio usou dinheiro público para construir um aeroporto nas terras da família dele e deu a chave do lugar, um patrimônio estadual, para um tio.
Aécio garantiu o repasse de dinheiro público do estado de Minas Gerais, cerca de 1,2 milhão reais, a três rádios e um jornal ligados à família dele.
Isso é corrupção.
Então, você que votou em Aécio, pare com essa hipocrisia de que foi às ruas se manifestar porque não aguenta mais corrupção.
É mentira.
Você foi à rua porque, derrotado nas eleições passadas, viu, outra vez, naufragar o modelo de país que 12 anos de governos do PT viraram de cabeça para baixo.
Você foi para a rua porque, classe média remediada, precisa absorver com volúpia o discurso das classes dominantes e, assim, ser aceito por elas.
Você foi para a rua porque você odeia cotas raciais, e não apenas porque elas modificaram a estrutura de entrada no ensino superior ou no serviço público.
Você odeia as cotas raciais porque elas expõem o seu racismo, esse que você só esconde porque tem medo de ser execrado em público ou nas redes sociais. Ou preso.
Você foi para a rua porque, apesar de viver e comer bem, é um analfabeto político nutrido à base de uma ração de ódio, intolerância e veneno editorial administrada por grupos de comunicação que contam com você para se perpetuar como oligopólios.
Foram eles, esses meios de comunicação, emprenhados de dinheiro público desde sempre, que encheram a sua alma de veneno, que tocaram você como gado para a rua, com direito a banda de música e selfies com atores e atrizes de corpo sarado e cabecinha miúda.
Não tem nada a ver com corrupção. Admita. Você nunca deu a mínima para corrupção.
Você votou em Fernando Collor, no PFL, no DEM, no PP, em Maluf, em deputados fisiológicos, em senadores vis, em governadores idem.
Você votou no PSDB a vida toda, mesmo sabendo que Fernando Henrique comprou a reeleição para, então, vender o patrimônio do país a preço de banana.
Ainda assim, você foi para a rua bradar contra a corrupção.
E, para isso, você nem ligou de estar, ombro a ombro, com dementes que defendem o golpe militar, a homofobia, o racismo, a violência contra crianças e animais.
Você foi para a rua com fascistas, nazistas e sociopatas das mais diversas cepas.
Você se lambuzou com eles porque quis, porque não suporta mais as cotas, as bolsas, a mistura social, os pobres nos aeroportos, os negros nas faculdades, as mulheres de cabeça erguida, os gays como pais naturais.
Você odeia esse mundo laico, plural, multigênero, democraticamente caótico, onde a gente invisível passou a ser vista – e vista como gente.
Você foi não foi para a rua pedir nada.
Você só foi fingir que odeia a corrupção para esconder o óbvio.
De que você foi para a rua porque, no fundo, você só sabe odiar.

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Numa Roda de Capoeira Por Aí...


♫ Vivo Num Ninho de Cobra♬

Vivo num ninho de cobra
Sou cobra que cobra não morde
Uma cobra conhece outra cobra
Não precisa dizer quem é cobra

Vivo num ninho de cobra
Sou cobra que cobra não morde
Uma cobra conhece outra cobra
Não precisa dizer quem é cobra

Na boca de quem não presta
                                                          O que é bom não tem valor
                                                          Não me preocupo com isso
                                                          Porque Deus me abençoou

                                                          Vivo num ninho de cobra
                                                          Sou cobra que cobra não morde
                                                          Uma cobra conhece outra cobra
                                                          Não precisa dizer quem é cobra

                                                          Trabalho tem marimbondo
                                                          Faz a casa no capim
                                                          Vem o vento leva ela
                                                          Marimbondo leva fim

                                                          Vivo num ninho de cobra
                                                          Sou cobra que cobra não morde
                                                          Uma cobra conhece outra cobra
                                                          Não precisa dizer quem é cobra



domingo, 5 de outubro de 2014

O Velho Tema do Eu e do Outro - Artur da Távola

Veja se dá para entender: a gente, para a gente mesmo, é a gente. Raramente consegue ser o outro. A gente, para o outro, não é a gente, é o outro. Deve estar confuso. Tento de novo. Cada um de nós vive uma ambiguidade fundamental: ser a gente e ao mesmo tempo, ser o outro. Pra gente, a gente é a gente. Para o outro, a gente é o outro.

Temos, portanto, dois estados: ser o eu de cada um de nós e ser o outro. Na vida de relação, pois temos que saber ser o ‘eu individual’ e ao mesmo tempo, aceitar funcionar em estado de alteridade (outro vem de ‘alter’), ou seja, de ‘outro’.

O outro, raramente nos considera como a gente (como pessoa singular, peculiar, própria, única, desigual). Em geral, ele nos considera como o ‘outro’. Daí surgem os conflitos. Não apenas o outro em geral não nos considera como ‘a gente’. Também a gente não sabe aceitar, ou raramente aceita, ser tratado como ‘outro’. A gente quer ser tratado como a gente sabe que é, e não como o outro nos considera.

A gente sempre tem esperança que o outro descubra o que a gente é. Mas isso é muito difícil, porque o outro nos vê como ‘outro’ ou como qualquer projeção dele, jamais nos vê como a gente se vê ou quer ser visto ou gostaria de ser visto.

Uma relação de duas pessoas dá-se portanto, em quatro etapas: i) para Joaquim, Maria é o outro; ii) para Joaquim, Joaquim é Joaquim; iii) para Maria, Joaquim é o outro; iv) para Maria, Maria é Maria.

Mas Maria quer que Joaquim não a veja como ‘o outro’ e sim como Maria. E Joaquim não quer ser visto como ‘o outro’, ele quer ser visto como Joaquim. Mas nem Maria o vê como Joaquim (e sim como ‘o outro’), nem Joaquim a vê como Maria (e sim como ‘o outro’ na pessoa dela).

É essa a vontade de que nos vejam como individualidade que somos, o que nos leva a exigir talvez demais daqueles que se relacionam conosco. Eles talvez não estejam preparados (raramente estão) para nos ver como ‘eus’, como unidades próprias, como somos ou como queremos ser.

Exigir dos demais que nos vejam em nossa individualidade é um fato de pouca sabedoria. Raramente eles o conseguem, porque se somos ‘eu’ para nós mesmos, somos outro para eles. Em estado de ‘eudade’ (de eu), somos uma pessoa. Em estado de alteridade, somos outra pessoa.

Conseguir, sem exigir ou cobrar, porém, que o outro não nos veja como ‘o outro’ que somos para ele, mas como o ‘eu’ que somos para a gente, é ato de sabedoria. Significa saber ser nítido, saber colocar-se como pessoa e como individualidade, saber ocupar o próprio espaço sem qualquer invasão do espaço dos demais ou sem qualquer limitação do que eles são e nos agregamos, por inveja ou por admiração (coisas muito parecidas).

Para tal, é mister que saibamos ver o outro não apenas como o ‘outro’, mas como o ‘eu dele’ para ele. Mais claro: significa ver o outro como ele é, na condição de ‘eu’ ou seja, de indivíduo próprio, peculiar, semelhante sim, mas desigual e não na condição de ‘outro’, que é como ele chega até nós.

É no centro dessa relação que está a essência do problema da comunicação e da comunhão (que vem a ser a mesma coisa).

Eu devo ser ‘eu’ para mim e para o outro. O outro deve ser o ‘eu-dele’ para mim. Eu devo aceitar ser ‘o outro’ para o outro. Mas devo desejar e conseguir ser ‘eu’ para ele. Eu, em estado de ‘eu’, devo aceitá-lo como outro. Eu, em estado de ‘outro’, devo aceitá-lo como o eu dele. Eu e ele somos ao mesmo tempo ‘eu’. Eu e ele somos ao mesmo tempo ‘ele’. Ele é ‘eu’ mas também é ele. Por isso somos, ao mesmo tempo, semelhantes e diferentes. Por isso somos irmãos. Por isso a humanidade é uma só. Por isso a igualdade humana é uma verdade, na diferença individual.

E, para terminar, um outro alcance, paralelo ao principal, mas verdadeiro nas relações humanas: o outro nunca sabe direito o que ele é e representa para a gente. E a vida nos vai ensinando a ser cada vez mais sozinhos, pelo acúmulo de não correspondência daqueles que sempre nos significam algo, mas nunca o souberam ou perceberam na exata medida. Ou então, preocupados em excesso com os próprios problemas nunca atenderam ao potencial de afeto que por eles ou para eles havia em nós e foi desgastando em uso ou dispersão, já que não o souberam receber.

Às vezes esse ‘outro’ é mesmo o outro. Aí é a gente que fica com o próprio gesto de amor solto no ar à espera de aceitação, entendimento e correspondência. Em ambos os casos, dói. Mas isso já é outra crônica.

sábado, 6 de setembro de 2014

A Homenagem

 Finalmente o trio fora reunido. Desta vez não foi o idioma o responsável pela dificuldade da abdução, afinal, todos os homenageados falavam inglês, que mesmo sendo um língua praticamente morta, era simples e fácil de utilizar. Convencer Einstein de que ele daria um passeio no futuro também foi fácil. Complicado mesmo foi driblar a inteligência americana, que o vigiava atentamente. A experiência foi válida e, graças a ela, foi incorporado ao protocolo de abdução a recomendação de se evitar o resgate de pessoas em época de grande conflito.
De volta ao presente, passaram alguns minutos dentro da sala de adaptação sensorial para que não sentissem os efeitos colaterais da viagem. Isaac Asimov era o mais animado. Nem tanto por Albert Einstein, pois já vira numa palestra certa vez, mas sim por H.G. Wells, do qual era fã de seus romances e que jamais conheceria pessoalmente caso não fosse a situação.
Todos receberam o tradutor auricular e foram encaminhados a uma sala onde aguardariam o organizador do evento que lhes passaria maiores informações. Durante o percurso ficaram boquiabertos com os objetos e aparelhos que viam, ao mesmo tempo que tentavam imaginar o que eram e para quê serviam.
Já na sala, cada um sentou-se em uma confortável poltrona defronte a uma mesa. As paredes eram todas brancas. Não havia janela. Além disso, a porta desaparecera. O guia que lhes acompanhava apertou um dos vários botões da mesa e de repete o clima da sala ficou extremamente agradável e as paredes começaram a exibir vídeos de diversos momentos históricos. Todos ficaram ainda mais estupefatos, mas somente Wells tentou esconder suas emoções:
- É... Realmente, tudo muito lindo, tecnológico... Mas que ano estamos mesmo? 2978? E robôs? Cadê os robôs? Ainda não vi nenhum!
- Sim, senhor. Estamos em 2978. - respondeu o guia - E há muitos robôs aqui no complexo. Eu mesmo sou um deles.
Para quebrar o silêncio provocado pelo choque da revelação, além de validá-la, o guia retirou o olho direito com as mãos. Apontou a órbita ocular para trio e pediu:
- Olhem por aqui. Dá pra ver perfeitamente parte de meu hardware.
- Não é que é verdade mesmo? - disse Einstein, o primeiro que teve coragem de olhar.
- Meu Deus! - exclamou Wells. - Sua aparência é tão humana quanto a minha!
- Mas e essa pele? Cabelo? Como conseguiram unir máquina com material orgânico? - questionou Asimov, depois de apalpar o robô.
- Sou uma estrutura bem simples, basicamente composta de complexo de silicone, órgãos sintéticos e biofluído não-condutor, tudo isso controlado por nanotecnologia. Ainda dou conta do serviço, mas em breve serei substituído por protótipos mais avançados. - explicou o guia, recolocando o olho - Os senhores gostariam de mais alguma coisa?
Após constatar que estavam devidamente instalados, o guia despediu-se e saiu, deixando-os a sós. Einstein foi quem quebrou o silêncio:
- Impressionante! Não é mesmo, senhores?
- Sim, é! Nem nos meus maiores devaneios pensei em algo assim! - respondeu Asimov.
- Eu tinha razão! Eu tinha razão! - exclamava Hells - Riam de mim, mas eu tinha razão! A máquina existe!
- Sim, existe! - respondeu um homem, adentrando a sala - Existe e graças a ela os senhores estão hoje aqui! Meu nome é Ranzor Shaw IX e sou o organizador desta 100ª ExpoPassado.
Razor era bastante alto, a ponto de ter que se encurvar para abraçar os convidados, que recebiam o afetuoso cumprimento sem saberem o que dizer ou fazer. Careca e bastante pálido, vestia um estranho terno preto, do qual, de vez em quando, brilhavam algumas luzes.
- Você também é um robô? - quis saber Asimov.
- Não, não sou não. - respondeu Razor, rindo.
- O que vem a ser essa ExpoPassado? - indagou Einstein.
- Esse é o grande Einstein! Sempre direto ao ponto! - vibrou Razor - Pois bem, senhores. A ExpoPassado é um evento anual onde grandes personalidades do passado são trazidas para este presente a fim de serem homenageadas. Autores, filósofos, atores, políticos, atletas... Enfim, todos
aqueles que foram muito importantes para a humanidade são lembrados aqui. Nesse ano, por ser o centésimo aniversário do evento, decidimos trazer os senhores, grandes visionários que contribuíram para muitas das coisas que temos hoje.
- Então é graças a mim que no futuro..quer dizer, nesse presente, exista robôs parecidos com seres humanos? - perguntou Asimov, com brilho no olhar.
- E que graças a mim estamos aqui? Eu disse que a máquina do tempo era possível! Eu disse! - gabou-se Hells.
- Sim, senhores. Podemos considerar que sim. - respondeu Razor, matando a curiosidade da dupla de autores.
- E minhas teorias contribuíram para que a humanidade pudesse viajar no tempo, mais precisamente, ir para o futuro? É isso? - arriscou Einstein.
- Humm... Na verdade não, professor. - disse Razor, levantando-se e dando ares de que sua resposta seria dura. - O futuro, diferente do passado, é algo insubistâncial, ainda inexistente, sendo apenas um gigantesco complexo de infinitas combinações de possibilidades. Não tem como ir para algo que ainda não exista. Podemos ir em qualquer época e local do passado e voltar novamente para o nosso presente. Mas nunca para o futuro. Simplificando, seria isso.
- Eu estava errado?! Não posso acreditar... Mas bem, que foi que fiz de tão importante então? - perguntou novamente o agora decepcionado Einstein.
- Bem, professor, muitas coisas...Muitas coisas... - desconversou Razor, tentando animar o agora frustrado gênio.
- Mas então, Sr. Razor... Como será a cerimônia? O que teremos que fazer? - indagou Asimov.
- Será bem simples, senhores. Vocês esperarão aqui e no momento certo serão levados até um palco, onde ficarão diante de uma platéia de cerca de 10 mil convidados, composto de pessoas importantes do mundo todo. O evento também será transmitido para todo o planeta. Num telão passará toda a biografia dos senhores. Receberão presentes, condecorações, serão cumprimentados pelo nosso imperador e depois poderão fazer um breve discurso. Terminado o evento, eu os levo de volta para seus respectivos tempos. Tudo bem, senhores?
- Que batuta! - comemorou Hells.
- Discurso? Mas os presentes entendem inglês? Posso falar em russo, mas acho que seria menos compreendido. - preocupou-se Asimov.
- Tens razão, Isaac. E que negócio é esse de imperador? Não estamos nos Estados Unidos? - perguntou Einstein.
- Calma, senhores. Na verdade o inglês já quase não é falado. A maioria dos convidados falam o euroasionês, mas poderão lhes entender graças a esse fone tradutor  que estão utilizando. Muito bacana isso, não é mesmo?
As três celebridades fecharam a cara e começaram a se entreolhar, extremamente pensativos. George Hells foi quem quebrou o silêncio e ameaçou:
- Escute aqui, Sr. Razor. Creio que está mentido para nós ou nos escondendo algo importante. Pare de nos enganar ou iremos embora! Que droga de idioma é esse? Onde estamos?
- É o idioma falado em nossa confederação, a Euroásia. - respondeu Razor, assustado com a reação do trio.
- Então os Estados Unidos já não é a nação mais importante da Terra? – formulou Asimov.
- O Estados Unidos não existe mais, senhores. Foi destruído na 4º Guerra Mundial. - disse o anfitrião, fazendo cara de penar.
Asimov e Hells ficaram boquiabertos. Einstein, patriota reconhecido, não segurou as lágrimas. Questionou aos gritos:
- Porque vocês fizeram, meu Deus! O que nós lhe fizemos para causar-lhes tanto ódio e inveja?
- Calma lá, Sr. Einstein! - defendeu- se Razor. - Quem destruiu os Estados Unidos, bem como tomou posse de toda a América, foi a Bolívia. Lembra-se dela? Hoje é a maior potência mundial, seja nos esportes, na economia, educação... Atualmente estamos em paz com eles, graças a Deus! Mas, com algum esforço, chegaremos no mesmo nível. Tenho fé nisso!
- Bolívia? Aquele país de merda? - riu Asimov. - Conte-nos outra! Na minha época, mal aparecia no mapa-múndi!
  - Pois é, senhores... Mas depois de 2362, ninguém tem tanta bomba-atômica quanto eles! Tampouco, não há quem domine tão bem essa tecnologia. Os Estados Unidos desacreditou...Deu no que deu!
- Bomba o quê?! - questionou Einstein aos gritos. – Quer dizer que... Minhas teorias?! Mas... Oh, meu Deus! Me prometeram tanto!
            Com o olhar um tanto quanto triste, Razor apenas balançou a cabeça positivamente. Porém, lembrando-se repentinamente do evento, esboçou um sorriso e tranquilizou o homenageado:
            - Mas pode ficar sossegado, Sr. Einstein. Esqueça isso. Está aqui por outras contribuições! Preciso conferir se está tudo certo. Bem...Tenham uma boa estadia e aproveitem o evento. Em breve alguém virá chamá-los. Foi uma honra poder conversar com os senhores. Até daqui a pouco.
            E saiu, deixando o trio a sós.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Vantagens e Desvantagens de Um Curso em EaD



Assim, como qualquer conceito e metodologia existente, a Educação a Distância possui suas vantagens e desvantagens. Porém, para apontá-las é necessário deixar de lado vários preconceitos e saber como funciona esta modalidade de educação, além de conhecer o público alvo a quem se destina, pois, o que pode ser considerado como um fator negativo ou positivo para um determinado estudante, para outro pode não ter relevância alguma.
Tratando-se de vantagens, o que é tido como unanimidade é a questão da flexibilidade. Poder escolher e ajustar as horas de estudo conforme as necessidades em um mundo tão globalizado e corrido como tem-se hoje, é uma das melhores particularidades que um curso em EaD pode oferecer.
Outra questão muito importante a favor de um curso a distância é sobre sua facilidade quanto a localização, ou seja, em qualquer lugar ( desde que tenha o equipamento necessário e acesso a internet) é possível dar prosseguimento aos estudos e atividades requeridas. Dentre todos os benefícios dessa modalidade, esse é o fator que mais lhe confere o status de colaborador com a democratização da educação, pois não limita sua oferta apenas aos grandes centros urbanos do país.
Acerca das desvantagens, percebe-se que a maioria delas está mais vinculadas a mitos, preconceitos e falta de conhecimento sobre a metodologia da EaD do que à realidade e argumentos válidos. Quem nunca fez um curso a distância, normalmente afirmará que estudar numa metodologia mais tradicional é melhor, sem sequer conhecer como funciona a outra parte.
Hoje, graças a tecnologia, as diferenças entre EaD e presencial estão cada vez mais imperceptíveis. Até a questão do ambiente de sala de aula, característica do ensino tradicional, é emulada com o uso de recursos como a videoconferência. Então a desculpa de que um método é melhor do que o outro porque se tem um professor para explicar o conteúdo e sanar as dúvidas existentes em tempo real já não é mais cabível, pois em ambas metodologias isso é possível.
Por isso, acredito que as desvantagens da educação a distância variam de aluno para aluno, sendo o fator primordial para isso as habilidades e competências características do estudante em questão que o ajudam na obtenção de conhecimento. Se ele é imersivo, tem facilidade em operar o computador e utilizar programas, é autônomo, entre outras características, para ele a EaD só terá vantagens. Já se for uma pessoa mais auditiva, que prima pela exposição de um tema (pessoalmente, e não por vídeo) e sente-se mais seguro tendo alguém para auxiliá-lo na execução de atividades, verá o e-learning com uma metodologia ineficaz.
Sendo assim, permanecem poucas reais desvantagens da educação a distância. A principal delas talvez seja o nível de formação do corpo docente, que é visivelmente inferior (não no sentido de qualidade, mas sim em nível acadêmico) e menos exigido e fiscalizado do que na modalidade presencial. A resolução desse problema cabe unicamente à entidade educacional, que deve investir e valorizar seus cursos a distância a medida em que contrata formadores e tutores com grau acadêmico elevado dentro da área de formação em questão. Creio que isso seria mais benéfico para a instituição do que para os alunos, pois seus cursos seriam vistos de forma mais otimista, o que aumentaria a oferta/procura e diminuiria o preconceito de profissionais formados nessa modalidade.
Outra desvantagem que cito (mesmo que o material apresente como mito) é a alta evasão dos cursos em EaD. Como tutor, encaro que, para cursos gratuitos e de extrema qualidade, oferecidos por entidades públicas e federais, o abandono é muito grande e inaceitável. A solução para isso está na seleção. Se ela fosse melhor, buscando identificar os alunos realmente interessados e que possuíssem as habilidades e competências para acompanhá-lo, penso que a evasão seria quase nula.
Por fim, ressalto que a tendência da educação a distância é crescer cada vez mais, ao passo da evolução da tecnologia e a quebra de preconceitos sobre o e-learning, graças as avaliações que cursos dessa modalidade estão sendo submetidos para comparação com cursos tradicionais, onde, na maioria das vezes, sai vencedor, o que atrai o olhar interessado do mercado de trabalho sobre profissionais oriundos dessa tipo de formação.

sábado, 10 de novembro de 2012

Resenha Crítica: Dom Quixote de La Mancha

                

                Resenha Crítica


Findada a leitura das duas obras das aventuras de Dom Quixote, fica fácil perceber porque ele foi considerado o melhor livro de todos os tempos, aclamado em um votação realizada no Clube do Livro da Noruega, onde participaram grandes autores e os maiores críticos literários da época. É um história envolvente, de fácil compreensão, que mesmo sendo muito extensa e composta de diversos capítulos, é bastante agradável de se ler, tendo em vista que é extremamente hilária por conter o apurado senso de humor de seu criador: Miguel de Cervantes.
          A história começa por mostrar Alonso Quijano, um fidalgo cinquentão, com a ideia fixa de se tornar um cavaleiro andante, enlouquecido após tantas leituras de novelas de cavaria. Muda seu nome para Dom Quixote de La Mancha, nomeia seu cavalo, um pobre pangaré, de Rocinante, institui, na sua mente, uma simples camponesa que poucas vezes viu de passagem em  fidalga, dando-lhe o nome de Dulcinéia Del Toboso, a quem acredita dever-lhe amor e prestações de honrados serviços e, depois de vestir uma velha armadura de guerra que pertenceu a seu bisavô, sai em busca de aventuras imaginárias.
          A primeira delas é referente ao seu batismo como cavaleiro. Ao chegar numa pousada onde havia algumas prostitutas, Quixote enxergou nessa situação um castelo, repleto de donzelas e um rei. Exigiu ser batizado como cavaleiro andante. Aproveitando-se da situação cômica e também com medo de serem agredidos pelo lunático que se dizia cavaleiro, de maneira teatral e engraçada, fizeram sua vontade.
          Em sua primeira aventura depois de batizado como cavaleiro andante, Dom Quixote é surrado e retorna para sua casa. Depois de se recuperar, convence um lavrador vizinho chamado Sancho Pança a ser seu fiel escudeiro, depois de lhe prometer uma ínsula para que ele a governasse. Formada a dupla, tem-se início a segunda saída do protagonista, onde as mais fantásticas e engraçadas aventuras da obra são vivenciadas, sendo as duas principais e mais conhecidas, por serem popularmente ligadas ao mito quixotesco, a luta de Dom Quixote contra o moinho de vento, que ele acreditava ser um poderoso gigante e depois a batalha contra o exército de carneiros, que ele acreditava ser um exército de mouros que invadiam o país. Esta última rendeu-lhe outra surra e, por ficar desfigurado e desdentado, o apelido de “ O Cavaleiro da Triste Figura”.
          E assim a dupla vai aventurando-se em diversas situações, conquistando derrotas e algumas vitórias. A última delas, por mais uma vez, terminou com Dom Quixote muito ferido, após levar uma baita paulada no ombro. Retornaram para sua aldeia, pondo fim na segunda saída do cavaleiro. O livro cita a morte do fidalgo, mas sua terceira saída e as aventuras nela vividas são narradas na continuação O Engenhoso Cavaleiro Dom Quixote de La Mancha.
          O que mais chama a atenção na obra é que ela, desde o momento de sua criação, mostrou-se contextualizada com todos os momentos importantes da história desde então. Sem dúvida nenhuma, tão alto grau de universalidade foi o que lhe rendeu o título de maior obra literária da história, reconhecendo Miguel de Cervantes como um dos maiores autores de todos os tempos, não só da Espanha, mas sim do mundo todo.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Resenha Crítica: Fausto: Uma Tragédia - Parte I

Mais uma resenha... Agora é sobre a primeira parte da tragédia teatral Fausto, obra máxima da literatura alemã, que ocupou cerca de 60 anos da vida de Goethe para ser terminada.

Engraçada, complexa e bastante trágica, é superior a todos os textos de mesmo gênero devido a grandes possibilidades de interpretações e assuntos abordados, sem falar que é nela que o protagonista afirma-se como reconhecido mito literário.

Bom...boa leitura!





Resenha Crítica

            Logo de cara vê-se o porquê do trabalho que ocupou grande parte da vida de Goethe ser considerado uma das maiores obras-primas, não só da literatura alemã, como também da mundial. A primeira parte de Fausto: Uma Tragédia se mostra desde o início como um poema muito bem trabalhado e pensado, feito especialmente para ser encenado.
            Dotada de vários fatores filosóficos e extremamente complexa, a peça não é dividida em atos, mas em cenas, que são ambientadas em diversos cenários. Antes disso, acontecem três prólogos, sendo os dois primeiros Dedicatória e Prólogo do Teatro metarreflexões acerca o conteúdo e produção da obra, bem como uma discussão sobre a real função do teatro para com seus expectadores. O Prólogo do Céu, que vem a seguir, introduz o trama da história. Assim como no livro bíblico de Jó, há uma disputa espiritual entre o bem e o mal, tendo como alvo dessa disputa um homem. Deus acredita que Fausto é essencialmente bom. Pode cometer diversos erros no decorrer de sua vida, mas, no final dela, obterá a luz. Já Mefistófoles pensa o contrário. Por achá-lo mal feito e dividido entre seus instintos animais e racionais, afirma que o protagonista cairá em condenação. O Senhor então autoriza o demônio a conduzi-lo por seus caminhos para lhe provar o contrário. E assim tem-se início a peça em seu plano terreno.
            Fausto encontra-se em seu lar, próximo a cometer suicídio por considerar-se fracassado em obter o conhecimento ilimitado. Estudou todas as ciências possíveis (medicina, filosofia, jurisprudência e teologia) e até fez uso de magia para tal, mas não obteve sucesso. Com seu assistente Wagner, saiu a passeio pelas ruas da cidade, onde passou a ser seguido por um cão. De volta a sua casa, especificamente dentro de seu quarto de trabalho (estúdio), o cão aparece novamente e se metamorfoseia em Mefistófoles. Após discutirem sobre vários assuntos, o demônio lhe propõe o seguinte: fará todas as suas vontades na terra em troca de serviços de sua alma no inferno. Ele aceita, sob o caráter da seguinte aposta: que isso só ocorra a partir de um momento que lhe seja extremamente feliz, ao ponto dele querer que tal momento dure para sempre. Eles assinam um contrato com sangue e passam a andar pelo mundo.
            Após uma confusão que tiveram com estudantes bêbados numa taverna em Leipzig, os dois vão ter com uma bruxa. Dela, Fausto recebe uma porção que o torna mais jovem e belo. Mesmo perplexo e obcecado pela beleza de Helena de Tróia, que enxergou em um espelho mágico, os dois partem. No caminho, ele avista Margarida e de cara se apaixona por ela. Usando-se dos termos de seu contrato, exige de Mefistófoles que a consiga para ele. O diabo sabe que a tarefa será muito difícil devido a pureza e a devoção da moça aos dogmas cristãos. Com presentes e ajuda de Martha, a vizinha da pretendida, que desempenha na peça a função de alcoviteira, consegue um encontro no jardim entre os dois. Para que esse encontro se estendesse ao quarto de Gretchen (como a moça era carinhosamente chamada), o rapaz entrega a sua amada uma poção de sono para que dê a sua mãe. A poção “acidentalmente” a mata. Para piorar a situação, Margarida engravida. Revoltado com o ocorrido, Valentim, seu irmão, um hábil militar, desafia Fausto para um duelo de morte. É vencido e morto pelo protagonista, que teve, para isso, a ajuda de Mefisto.
            Para consolar seu protegido, que encontrava-se desolado por causa de Margarida, o demônio o leva a festa da Noite de Santa Valburga. Lá, bruxas e diversos tipos de criaturas das trevas celebram. Uma delas tenta inutilmente seduzir Fausto, que ao ficar sabendo da condenação à morte de sua amada, culpada por ter assassinado afogado o filho recém-nascido devido a tanto desespero e loucura, exige do diabo que o ajude a soltá-la. No cárcere, mesmo abrindo a cela em que ela se encontrava trancafiada, Gretchen nega fugir. Com pouco resquício de sanidade, mal consegue reconhecê-lo. Acredita que já não possui seu amor e por isso aceita seu destino. Se desespera ainda mais quando avista Mefisto, entregando-se a morte. O demônio a sentencia culpada, mas um coro angelical rebate afirmando que ela salvou-se, devido a sua pureza e inocência. E assim termina a primeira parte da obra.
Mesmo não conhecendo nada da língua alemã, vale destacar a excelente tradução para o português, feita por Jenny Klabin Segall. Percebe-se isso pela notas e comentários contidos no rodapé, feitos por Marcus Vinícius Mazzari, que apontam a todo momento o respeito que a tradutora teve em manter as rimas e estruturas do poema como um todo, bem como sua originalidade e genialidade.
Como opinião pessoal, afirmo ser esta a melhor obra teatral que já li. Mesmo possuindo uma complexa rede filosófica em sua formação, onde se chocam valores contrários, tais como religião, magia, alquimia, o bem o mal, assim como importantes fatores políticos que moldavam o mundo na época de sua construção, como por exemplo a Revolução Francesa e o início da Revolução Industrial, é fácil entender o seu enredo e identificar algumas questões que lhe conferem valor literário, sendo o principal delas a busca do homem em descobrir-se a si mesmo, respondendo suas dúvidas e anseios.