quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Renha Crítica: Dom Juan - O Burlador de Sevilha e o Convidado de Pedra

Para quem acha que Dom Juan é um cara bonzinho, bonito, galanteador, por quem todas as mulheres se derretem, aqui vai a resenha da obra que deu origem ao mito presente em diversos filmes e clássicos da literatura mundial.


Resenha Crítica

Dom Juan Tenório é o protagonista da peça intitulada El Burlador de Sevilha y Convidado de Piedra, de  Tirso de Molina, pseudônimo de Frei Gabriel Telléz. Jovem, atraente, mulherengo e com uma lábia requintada, capaz de enganar facilmente as mulheres, logo no início da trama comete sua primeira burla. A vítima é Isabela, uma nobre da corte de Nápoles, que pretende-se casar-se com Otávio, um duque também napolitano. Aproveitando-se da pouca iluminação, Dom Juan finge ser seu pretendente para enganá-la. Após ser descoberto e aconselhado por  Dom Pedro, seu tio, foge para que não seja condenado à prisão. No caminho de volta para sua casa sofre um naufrágio. É resgatado por Tisbea, uma bela pescadora que, com seus cantos e atributos, tenta seduzi-lo. Porém, ocorre exatamente o contrário. Mesmo advertido por Cagarolão, seu lacaio, que insistia para que ele não enganasse mais as mulheres, pois acreditava que tal comportamento lhe daria um final trágico, Juan decide burlá-la. Depois de prometer casar-se com ela, além de ludibriá-la com as vantagens que o referido casório lhe trariam, Juan a leva para uma cabana, onde depois consuma sua vontade e foge para não cumprir suas promessas. Quando percebe que fora enganada, Tisbea chora amargamente e, junto de seus familiares, prometem vingar-se do burlador.
Em Sevilha, Dom Juan encontra-se com o Marquês da Mota, um velho amigo com quem vivenciou muitas experiências envolvendo mulheres. Depois de conversarem bastante, Mota lhe diz que está apaixonado pela prima, chamada Ana de Ulhoas. Confidenciou-lhe que ela já está noivada, mas, antes de casar-se, queria entregar-se a ele. Querendo aproveitar-se da situação, Juan propõe um desafio ao marquês que visava testar a fidelidade de Ana. De posse da capa do amigo, vai até o quarto de Ana com o intuito de passar-se por seu amado e burlá-la. Ela porém o reconhece e grita por socorro. Seu pai, Dom Gonçalo, aparece e desafia Dom Juan. Ele tenta negar, mas, mediante a insistência do velho, luta com ele, matando-o. Mais uma vez o protagonista foge, indo encontra-se com Marquês da Mota. Depois de contar-lhe todo o ocorrido, é sugerido que saia de Sevilha enquanto a situação é abafada. Na sequência, o nobre é preso e condenado à morte.
Juan e Cagarolão escapam para o campo. Chegam numa vila onde está acontecendo a festa de casamento de Batrício e Aminta, dois camponeses. São muito bem recebidos pela noiva e familiares, menos pelo noivo, que encara a presença de um nobre como algo que trará mau agouro. Pensando em cometer uma nova burla, que segundo sua opinião será a melhor delas, o burlador passa a seduzir a mulher, mesmo na presença de seu noivo. Quando não mais aguentava de ciúmes e sentindo-se desonrado, o camponês vai pedir satisfações ao galanteador, que o desafia. Não querendo confrontar-se com um nobre, acaba recusando. Com isso, Juan vai até Gasseno, pai da noiva, e diz que se casará com ela. Com a aprovação óbvia dele,  entra no quarto da bela camponesa que, após muitas juras do enganador, referentes a ele ser o atual noivo dela e não mais Batrício, torna-se mais uma de suas vítimas.
Já em casa, na hora do jantar, alguém bate a porta. Cagarolão atende e se depara com Dom Gonçalo, encarnado numa estátua fantasmagórica e, assim como os outros criados, foge de medo. Dom Juan convida a alma penada para jantar com ele. Além de aceitar, a estátua quer retribuir a gentileza em seu mausoléu e o protagonista acaba aceitando. Os dois aventureiros cumprem a promessa e vão jantar no recinto do morto. Depois de conversarem bastante, Dom Gonçalo diz que é chegada a hora do burlador ser penalizado por seus pecados. Juan tenta mostrar-se arrependido e alcançar o perdão, mas lhe é negado. Então a estátua, de mãos dadas com ele,  leva sua alma direto para o Inferno. Ao ver o corpo sem vida de seu amo, Cagarolão foge, encontrando pouco depois os demais personagens, que vinham, juntamente com o rei, penalizar seu finado senhor pelos atos que havia cometido. E assim termina a peça. 
   
Confirmando a ideologia dominante, o autor, com o final que atribuiu à peça, conferiu-lhe valores presentes no moralismo cristão. A condenação ao Inferno que o protagonista recebe provoca o efeito de catarse esperado em qualquer tragédia/tragicomédia da época. Assim sendo, o leitor/espectador sente-se confortado ao presenciar que de alguma forma houve justiça para as vítimas do galanteador.
No decorrer  da história Dom Juan engana quatro mulheres. Sequencialmente, suas burlas tornam-se cada vez “melhores” e mais difíceis de serem aplicadas. Segundo o próprio personagem afirma nos versos de número 1975 e 1976, a melhor delas seria realizada (e foi) em Aminta, sua quarta vítima. Assim como o número quatro simboliza a estabilidade e a perfeição, pode-se inferir que, a partir de sua quarta e última fraude, ele sentiu-se realizado por aplicar, segundo sua opinião, uma burla “perfeita”.
Nos versos de número 1310 ao de 1313, Juan deixa claro os motivos pelos quais engana as mulheres: pelo puro prazer que o ato lhe proporciona, além de desonrá-las socialmente. Seja simplesmente por má índole ou por oposição aos valores da época, principalmente em relação ao casamento, o personagem principal da peça não deixa de ser um vilão que se aproveita de sua condição social para saciar seu vício.
Mesmo assim, é compreensível o fato de Dom Juan ter virado um mito e ter sofrido ao longo da história várias adaptações. Tudo isso graças ao ego super complexo do protagonista, bem como outros elementos presentes na obra, como a sedução, o amor cortês e a vingança, por exemplo,  terem conferido ao El Burlador de Sevilha y Convidado de Piedra um caráter universal e digno de fazer parte do rol dos maiores clássicos da literatura mundial.