Mais uma resenha... Agora é sobre a primeira parte da tragédia teatral Fausto, obra máxima da literatura alemã, que ocupou cerca de 60 anos da vida de Goethe para ser terminada.
Engraçada, complexa e bastante trágica, é superior a todos os textos de mesmo gênero devido a grandes possibilidades de interpretações e assuntos abordados, sem falar que é nela que o protagonista afirma-se como reconhecido mito literário.
Bom...boa leitura!
Resenha
Crítica
Logo de cara vê-se o porquê do trabalho que ocupou grande
parte da vida de Goethe ser considerado uma das maiores obras-primas, não só da
literatura alemã, como também da mundial. A primeira parte de Fausto: Uma Tragédia se mostra desde o
início como um poema muito bem trabalhado e pensado, feito especialmente para
ser encenado.
Dotada de vários fatores filosóficos e extremamente
complexa, a peça não é dividida em atos, mas em cenas, que são ambientadas em
diversos cenários. Antes disso, acontecem três prólogos, sendo os dois
primeiros Dedicatória e Prólogo do Teatro metarreflexões acerca
o conteúdo e produção da obra, bem como uma discussão sobre a real função do
teatro para com seus expectadores. O Prólogo
do Céu, que vem a seguir, introduz o trama da história. Assim como no livro
bíblico de Jó, há uma disputa espiritual entre o bem e o mal, tendo como alvo
dessa disputa um homem. Deus acredita que Fausto é essencialmente bom. Pode
cometer diversos erros no decorrer de sua vida, mas, no final dela, obterá a
luz. Já Mefistófoles pensa o contrário. Por achá-lo mal feito e dividido entre
seus instintos animais e racionais, afirma que o protagonista cairá em
condenação. O Senhor então autoriza o demônio a conduzi-lo por seus caminhos
para lhe provar o contrário. E assim tem-se início a peça em seu plano terreno.
Fausto encontra-se em seu lar, próximo a cometer suicídio
por considerar-se fracassado em obter o conhecimento ilimitado. Estudou todas
as ciências possíveis (medicina, filosofia, jurisprudência e teologia) e até
fez uso de magia para tal, mas não obteve sucesso. Com seu assistente Wagner,
saiu a passeio pelas ruas da cidade, onde passou a ser seguido por um cão. De
volta a sua casa, especificamente dentro de seu quarto de trabalho (estúdio), o
cão aparece novamente e se metamorfoseia em Mefistófoles. Após discutirem sobre
vários assuntos, o demônio lhe propõe o seguinte: fará todas as suas vontades
na terra em troca de serviços de sua alma no inferno. Ele aceita, sob o caráter
da seguinte aposta: que isso só ocorra a partir de um momento que lhe seja
extremamente feliz, ao ponto dele querer que tal momento dure para sempre. Eles
assinam um contrato com sangue e passam a andar pelo mundo.
Após uma confusão que tiveram com estudantes bêbados numa
taverna em Leipzig, os dois vão ter com uma bruxa. Dela, Fausto recebe uma
porção que o torna mais jovem e belo. Mesmo perplexo e obcecado pela beleza de
Helena de Tróia, que enxergou em um espelho mágico, os dois partem. No caminho,
ele avista Margarida e de cara se apaixona por ela. Usando-se dos termos de seu
contrato, exige de Mefistófoles que a consiga para ele. O diabo sabe que a
tarefa será muito difícil devido a pureza e a devoção da moça aos dogmas
cristãos. Com presentes e ajuda de Martha, a vizinha da pretendida, que
desempenha na peça a função de alcoviteira, consegue um encontro no jardim
entre os dois. Para que esse encontro se estendesse ao quarto de Gretchen (como
a moça era carinhosamente chamada), o rapaz entrega a sua amada uma poção de
sono para que dê a sua mãe. A poção “acidentalmente” a mata. Para piorar a
situação, Margarida engravida. Revoltado com o ocorrido, Valentim, seu irmão,
um hábil militar, desafia Fausto para um duelo de morte. É vencido e morto pelo
protagonista, que teve, para isso, a ajuda de Mefisto.
Para consolar seu protegido, que encontrava-se desolado
por causa de Margarida, o demônio o leva a festa da Noite de Santa Valburga.
Lá, bruxas e diversos tipos de criaturas das trevas celebram. Uma delas tenta
inutilmente seduzir Fausto, que ao ficar sabendo da condenação à morte de sua
amada, culpada por ter assassinado afogado o filho recém-nascido devido a tanto
desespero e loucura, exige do diabo que o ajude a soltá-la. No cárcere, mesmo
abrindo a cela em que ela se encontrava trancafiada, Gretchen nega fugir. Com
pouco resquício de sanidade, mal consegue reconhecê-lo. Acredita que já não
possui seu amor e por isso aceita seu destino. Se desespera ainda mais quando
avista Mefisto, entregando-se a morte. O demônio a sentencia culpada, mas um
coro angelical rebate afirmando que ela salvou-se, devido a sua pureza e
inocência. E assim termina a primeira parte da obra.
Mesmo
não conhecendo nada da língua alemã, vale destacar a excelente tradução para o
português, feita por Jenny Klabin Segall. Percebe-se isso pela notas e
comentários contidos no rodapé, feitos por Marcus Vinícius Mazzari, que apontam
a todo momento o respeito que a tradutora teve em manter as rimas e estruturas
do poema como um todo, bem como sua originalidade e genialidade.
Como
opinião pessoal, afirmo ser esta a melhor obra teatral que já li. Mesmo
possuindo uma complexa rede filosófica em sua formação, onde se chocam valores
contrários, tais como religião, magia, alquimia, o bem o mal, assim como
importantes fatores políticos que moldavam o mundo na época de sua construção,
como por exemplo a Revolução Francesa e o início da Revolução Industrial, é
fácil entender o seu enredo e identificar algumas questões que lhe conferem
valor literário, sendo o principal delas a busca do homem em descobrir-se a si
mesmo, respondendo suas dúvidas e anseios.