sábado, 6 de setembro de 2014

A Homenagem

 Finalmente o trio fora reunido. Desta vez não foi o idioma o responsável pela dificuldade da abdução, afinal, todos os homenageados falavam inglês, que mesmo sendo um língua praticamente morta, era simples e fácil de utilizar. Convencer Einstein de que ele daria um passeio no futuro também foi fácil. Complicado mesmo foi driblar a inteligência americana, que o vigiava atentamente. A experiência foi válida e, graças a ela, foi incorporado ao protocolo de abdução a recomendação de se evitar o resgate de pessoas em época de grande conflito.
De volta ao presente, passaram alguns minutos dentro da sala de adaptação sensorial para que não sentissem os efeitos colaterais da viagem. Isaac Asimov era o mais animado. Nem tanto por Albert Einstein, pois já vira numa palestra certa vez, mas sim por H.G. Wells, do qual era fã de seus romances e que jamais conheceria pessoalmente caso não fosse a situação.
Todos receberam o tradutor auricular e foram encaminhados a uma sala onde aguardariam o organizador do evento que lhes passaria maiores informações. Durante o percurso ficaram boquiabertos com os objetos e aparelhos que viam, ao mesmo tempo que tentavam imaginar o que eram e para quê serviam.
Já na sala, cada um sentou-se em uma confortável poltrona defronte a uma mesa. As paredes eram todas brancas. Não havia janela. Além disso, a porta desaparecera. O guia que lhes acompanhava apertou um dos vários botões da mesa e de repete o clima da sala ficou extremamente agradável e as paredes começaram a exibir vídeos de diversos momentos históricos. Todos ficaram ainda mais estupefatos, mas somente Wells tentou esconder suas emoções:
- É... Realmente, tudo muito lindo, tecnológico... Mas que ano estamos mesmo? 2978? E robôs? Cadê os robôs? Ainda não vi nenhum!
- Sim, senhor. Estamos em 2978. - respondeu o guia - E há muitos robôs aqui no complexo. Eu mesmo sou um deles.
Para quebrar o silêncio provocado pelo choque da revelação, além de validá-la, o guia retirou o olho direito com as mãos. Apontou a órbita ocular para trio e pediu:
- Olhem por aqui. Dá pra ver perfeitamente parte de meu hardware.
- Não é que é verdade mesmo? - disse Einstein, o primeiro que teve coragem de olhar.
- Meu Deus! - exclamou Wells. - Sua aparência é tão humana quanto a minha!
- Mas e essa pele? Cabelo? Como conseguiram unir máquina com material orgânico? - questionou Asimov, depois de apalpar o robô.
- Sou uma estrutura bem simples, basicamente composta de complexo de silicone, órgãos sintéticos e biofluído não-condutor, tudo isso controlado por nanotecnologia. Ainda dou conta do serviço, mas em breve serei substituído por protótipos mais avançados. - explicou o guia, recolocando o olho - Os senhores gostariam de mais alguma coisa?
Após constatar que estavam devidamente instalados, o guia despediu-se e saiu, deixando-os a sós. Einstein foi quem quebrou o silêncio:
- Impressionante! Não é mesmo, senhores?
- Sim, é! Nem nos meus maiores devaneios pensei em algo assim! - respondeu Asimov.
- Eu tinha razão! Eu tinha razão! - exclamava Hells - Riam de mim, mas eu tinha razão! A máquina existe!
- Sim, existe! - respondeu um homem, adentrando a sala - Existe e graças a ela os senhores estão hoje aqui! Meu nome é Ranzor Shaw IX e sou o organizador desta 100ª ExpoPassado.
Razor era bastante alto, a ponto de ter que se encurvar para abraçar os convidados, que recebiam o afetuoso cumprimento sem saberem o que dizer ou fazer. Careca e bastante pálido, vestia um estranho terno preto, do qual, de vez em quando, brilhavam algumas luzes.
- Você também é um robô? - quis saber Asimov.
- Não, não sou não. - respondeu Razor, rindo.
- O que vem a ser essa ExpoPassado? - indagou Einstein.
- Esse é o grande Einstein! Sempre direto ao ponto! - vibrou Razor - Pois bem, senhores. A ExpoPassado é um evento anual onde grandes personalidades do passado são trazidas para este presente a fim de serem homenageadas. Autores, filósofos, atores, políticos, atletas... Enfim, todos
aqueles que foram muito importantes para a humanidade são lembrados aqui. Nesse ano, por ser o centésimo aniversário do evento, decidimos trazer os senhores, grandes visionários que contribuíram para muitas das coisas que temos hoje.
- Então é graças a mim que no futuro..quer dizer, nesse presente, exista robôs parecidos com seres humanos? - perguntou Asimov, com brilho no olhar.
- E que graças a mim estamos aqui? Eu disse que a máquina do tempo era possível! Eu disse! - gabou-se Hells.
- Sim, senhores. Podemos considerar que sim. - respondeu Razor, matando a curiosidade da dupla de autores.
- E minhas teorias contribuíram para que a humanidade pudesse viajar no tempo, mais precisamente, ir para o futuro? É isso? - arriscou Einstein.
- Humm... Na verdade não, professor. - disse Razor, levantando-se e dando ares de que sua resposta seria dura. - O futuro, diferente do passado, é algo insubistâncial, ainda inexistente, sendo apenas um gigantesco complexo de infinitas combinações de possibilidades. Não tem como ir para algo que ainda não exista. Podemos ir em qualquer época e local do passado e voltar novamente para o nosso presente. Mas nunca para o futuro. Simplificando, seria isso.
- Eu estava errado?! Não posso acreditar... Mas bem, que foi que fiz de tão importante então? - perguntou novamente o agora decepcionado Einstein.
- Bem, professor, muitas coisas...Muitas coisas... - desconversou Razor, tentando animar o agora frustrado gênio.
- Mas então, Sr. Razor... Como será a cerimônia? O que teremos que fazer? - indagou Asimov.
- Será bem simples, senhores. Vocês esperarão aqui e no momento certo serão levados até um palco, onde ficarão diante de uma platéia de cerca de 10 mil convidados, composto de pessoas importantes do mundo todo. O evento também será transmitido para todo o planeta. Num telão passará toda a biografia dos senhores. Receberão presentes, condecorações, serão cumprimentados pelo nosso imperador e depois poderão fazer um breve discurso. Terminado o evento, eu os levo de volta para seus respectivos tempos. Tudo bem, senhores?
- Que batuta! - comemorou Hells.
- Discurso? Mas os presentes entendem inglês? Posso falar em russo, mas acho que seria menos compreendido. - preocupou-se Asimov.
- Tens razão, Isaac. E que negócio é esse de imperador? Não estamos nos Estados Unidos? - perguntou Einstein.
- Calma, senhores. Na verdade o inglês já quase não é falado. A maioria dos convidados falam o euroasionês, mas poderão lhes entender graças a esse fone tradutor  que estão utilizando. Muito bacana isso, não é mesmo?
As três celebridades fecharam a cara e começaram a se entreolhar, extremamente pensativos. George Hells foi quem quebrou o silêncio e ameaçou:
- Escute aqui, Sr. Razor. Creio que está mentido para nós ou nos escondendo algo importante. Pare de nos enganar ou iremos embora! Que droga de idioma é esse? Onde estamos?
- É o idioma falado em nossa confederação, a Euroásia. - respondeu Razor, assustado com a reação do trio.
- Então os Estados Unidos já não é a nação mais importante da Terra? – formulou Asimov.
- O Estados Unidos não existe mais, senhores. Foi destruído na 4º Guerra Mundial. - disse o anfitrião, fazendo cara de penar.
Asimov e Hells ficaram boquiabertos. Einstein, patriota reconhecido, não segurou as lágrimas. Questionou aos gritos:
- Porque vocês fizeram, meu Deus! O que nós lhe fizemos para causar-lhes tanto ódio e inveja?
- Calma lá, Sr. Einstein! - defendeu- se Razor. - Quem destruiu os Estados Unidos, bem como tomou posse de toda a América, foi a Bolívia. Lembra-se dela? Hoje é a maior potência mundial, seja nos esportes, na economia, educação... Atualmente estamos em paz com eles, graças a Deus! Mas, com algum esforço, chegaremos no mesmo nível. Tenho fé nisso!
- Bolívia? Aquele país de merda? - riu Asimov. - Conte-nos outra! Na minha época, mal aparecia no mapa-múndi!
  - Pois é, senhores... Mas depois de 2362, ninguém tem tanta bomba-atômica quanto eles! Tampouco, não há quem domine tão bem essa tecnologia. Os Estados Unidos desacreditou...Deu no que deu!
- Bomba o quê?! - questionou Einstein aos gritos. – Quer dizer que... Minhas teorias?! Mas... Oh, meu Deus! Me prometeram tanto!
            Com o olhar um tanto quanto triste, Razor apenas balançou a cabeça positivamente. Porém, lembrando-se repentinamente do evento, esboçou um sorriso e tranquilizou o homenageado:
            - Mas pode ficar sossegado, Sr. Einstein. Esqueça isso. Está aqui por outras contribuições! Preciso conferir se está tudo certo. Bem...Tenham uma boa estadia e aproveitem o evento. Em breve alguém virá chamá-los. Foi uma honra poder conversar com os senhores. Até daqui a pouco.
            E saiu, deixando o trio a sós.